paaarty, mni para bruce harrison

ser filho de Dionísio significa caminhar entre a sanidade e a loucura enquanto aprecia um bom vinho.  -----------------

Por ser descendente do maior sommelier da história as pessoas as vezes pensam que nós ficamos sentados no Chalé Doze ouvindo jazz e degustando queijos. Sendo honesto, sempre tem uma travessa cheia de gorgonzola esperando para ser devorada, mas nós filhos de Dionísio fazemos muito mais que isso em nosso tempo livre. Organizamos festas, consumimos substâncias alucinógenas e as quintas há quem frequente o bom e velho sexclub para orgias.

Como era terça feira eu resolvi fazer uma pequena reuniãozinha apenas para os mais íntimos. As coisas fugiram do meu controle e acabei chamando todos os indefinidos que dormiam no Chalé Onze, um sátiro rebelde e um filho de Afrodite com nome esquisito. Combinei com todos às vinte e uma horas e por tanto só comecei a me arrumar às dez. Quando fui para a sala percebi o som impaciente de batidas na porta da frente. "Esses amadores não sabem que em festas 'nove horas' quer dizer 'onze e meia'."

— Calma aí, rapeize. Já vou abrir! — E talvez eu devesse ter ficado calado porque vozes femininas começaram a resmungar sobre banheiro e maquiagem. — Aquieta o cu aí, garota. Vou abrir, só estou colocando a calça.

Era mentira, claro. Eu já estava devidamente preparado para a reuniãozinha mas ainda estava faltando preparar o lugar. Apaguei as luzes e deixei acesos apenas luminárias e abajus, mergulhando o ambiente em penumbra. Num hack de madeira havia uma vitrola (onde escutávamos discos de jazz) mas essa vitrola era ligada a cabos embutidos na parede que conectavam o sistema de som do Chalé Doze. Em todos os cantos da construção havia uma caixa de som de porte médio capaz de reproduzir a música. "Não dá pra escutar jazz, esses caras vão me matar..."

Abri a porta do móvel para alcançar a coleção de vinis do Chalé Doze. Passei o dedo pelas capas, jogando para o lado esquerdo os descartados.

— Jazz não — passa para a esquerda — nem Rock — passa para a esquerda — nem Blues — Enfim uma capa verde neon expunha um título improvável para um disco de vinil. — Oh, esse parece bom. "EDM para fritar cérebro by Steve Keller". Quem é Steve Keller?

Mesmo sendo desconhecido eu escolhi dar o benefício da dúvida ao artista e coloquei a vitrola para funcionar. Ajustei o volume para algo moderado e fui até a porta para receber os convidados. Abri a porta abruptamente e o movimento brusco assustou os jovens que aguardavam para entrar na festa. Com meu melhor sorriso e minha eloquência de mestre de cerimônias resolvi anunciar o começo das festividades.

— Senhoras, senhores e sátiros! Entrem, entrem. Sintam-se a vontade e aproveitem a noite. — Com um movimento lateral da mão direita indiquei a livre passagem e semideuses começaram a encher meu chalé. "Por Zeus, quantos será que eu convidei?" — Espero que tenham pegado alguma comida no refeitório, porque aqui só temos queijo.

Assim que todos entraram eu fechei a porta e fui até o centro da festa. Um falatório abafava o som da música até ela se tornar quase inaudível. Fui abrindo passagem entre meus convidados e subi no pedestal da estátua de Dionísio, tornando-me o centro das atenções. Ainda assim o falatório não cessou e eu levei dois dedos a boca para exprimir um altíssimo assobio. Imediatamente todos se calaram.

— Aqueles de vocês que trouxeram comida, coloquem da mesinha. — O meu olhar assumiu um fervor irreconhecível e a voz autoritária me tornavam um rascunho de tirano desvairado. Ainda assim, as pessoas obedecem os tiranos. — Se vocês ainda estiverem com fome, temos queijos de todos os tipos e uma boa quantidade de nachos. — Semideuses murmuraram aprovação. — Vocês chegaram muito cedo. Sem nenhuma noção... Você, novato, eu te vi no Chalé Onze, tá vendo aquele armário com uma placa? Aquela placa que diz "Para Emergências". Vai lá e pega uma caixa.

O garoto devia ter uns treze anos, talvez menos, mas conseguiu trazer a caixa de papelão. Após romper seu lacre eu distribuí o conteúdo entre os campistas mais velhos. Frascos de tinta neon, chapéus de aniversário, copos vermelhos, bolinhas de pingue-pongue e um funil ligado por uma mangueira até uma torneira. Os jovens, tão acostumados a disciplina, foram distribuindo como se estivessem seguindo ordens de Quíron.

— Pronto, agora vem a parte boa. — Peguei o último item da caixa de papelão: uma garrafa de um litro d'água. — Observem atentamente o maior de todos os poderes! — Chacoalhei a garrafa uma vez, duas vezes e na terceira vez o líquido transparente se tornou verde. — TA-DAAAAM! Bebida alcoólica! Habemus festa!

Os veteranos comemoraram enquanto os indefinidos fizeram um silêncio solene, admirando a magia. Não havia tempo para descansar porque uma festa ainda precisava acontecer.

— Tragam os copos. Todos, todos, não temos preconceito aqui. — Uma vontade louca de fazer as crianças ficarem bêbadas me consumiu. Imaginei as consequências que cairiam sobre eles no dia seguinte e me enchi de satisfação. — Vamos, criancinhas, no meu chalé todos tem idade pra beber. Aqui eu sou o general e se o general manda os soldados obedecem. — E em minutos todos tinham alguns miligramas de absinto em seu copo. Éramos vinte e cinco pessoas fechados ali, então cada um tomaria 40 ml. — Três, dois, um! Virem, virem, virem! — Eu mesmo bebi, mas o efeito daquilo era diferente por causa do meu DNA. Aguentei bem a onda, mas uma das crianças de onze anos desmaiou na hora. — QUE COMECE A FESTA!

Saltei de cima do pedestal e acionei um botão na parede escondido por uma vinha. Luz negra se acendeu todos começaram a brilhar em tons de verde, laranja e branco. Alguém aumentou o volume da música e nossa reuniãozinha virou uma rave.


Às duas da madrugada a festa estava empolgante e haviam pessoas se beijando em todos os cantos. Três semideuses de onze anos estavam apagados, dormindo abraçados aos pés da estátua de Dionísio. Meninas haviam tirado a camisa e dançavam girando-as no ar, expondo os sutiãs aos olhos masculinos, mas apesar disso o ambiente não inspirava libido. Era uma festa para curtir a onda da música e o disco de Steve Keller realmente fritava o cérebro do ouvinte.

Eu estava me dirigindo para a porta da frente, arrastando um filho de Hipnos pelos cabelos para fora da festa. Ninguém ligava, estavam todos curtindo a vibe. O rapaz foi flagrado tentando se aproveitar de moças sonolentas e portanto banido da festa. De repente a porta chacoalhou e temi que ela pudesse vir abaixo. Abri com relutância e deixei que o filho de Hipnos corresse para longe enquanto eu lidava com o brutamontes em minha porta.

— Preciso que pare essa porcaria imediatamente. Nós precisamos dormir, seu idiota! — vociferou o grandalhão. Perdigotos atingiram minha cara mas eu estava preocupado demais para demonstrar nojo.

— Calma aí, grandão. É só uma reuniãozinha, estamos comemorando, sabe, hoje é terça. — Minha voz soou servil e para tentar vencer o cara com presentes ofereci o que havia em abundância no chalé. — Cê não quer entrar? Tomar uma coca geladinha, comer um queijinho, dançar com as meninas... — Assumi uma entonação maliciosa para fazer com que ele entendesse que poderia se dar bem se me escutasse.

"Se esse bichão tentar me bater eu estou totalmente ferrado."

Extras:

Bruce Harrison

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O garotão parecia prestes a fazer uma besteira. Brutamontes aparentemente tem essa tendência natural. Eu me senti tentado a provocá-lo apenas para ver se ele atacaria um colega desarmado, mas como o grandalhão tinha cara de burro eu assumi que ele chegaria a tal ponto se estimulado. "Não vale a pena provocar um doido se isso vai me custar uma cabeça aberta.".

— Escuta, amigão, eu vou conversar com a galera e vamos diminuir o som. Que tal, pode ser assim? — Era uma situação complicada que requeria de equilíbrio: num lado havia meu status social e no outro minha vontade de não tomar uma sova. Não podia encerrar a festa e desagradar aos convidados mas também evitaria ao máximo o porrete. — Cê já tentou colocar algodão nos ouvidos? Vai abafar o som que é uma beleza, nem vai escutar nada...

O movimento do grandão era lento mas ameaçava fazer um grande estrago. O porrete desceria e abriria meu crânio se acertasse em cheio, mas isso nunca aconteceu porque harpias se intrometeram entre nós. Como esperado elas estavam interessadas no motivo de toda aquela confusão e eu só encontrei um caminho prático: contar a verdade.

Abri a boca para falar que organizei uma reunião e ela acabou saindo de controle, que incomodamos o valentão e ele veio encerrar a festa, mas isso me prejudicaria. "Prefiro me ferrar tendo tentado escapar da punição do que ser punido após ter falado a verdade. Vamos confundir um pouco as coisas.". Limpei a garganta e comecei a encenação.

— Senhoras, Harpias, minhas amigas, esse valentão aí tentou me bater! Eu estou desarmado, falei pra ele isso, mas mesmo assim ele quis me matar. — O tom de voz dramático era suficiente por ora mas meus olhos marejados produziriam lágrimas a qualquer momento e por isso resolvi atacar logo. — Eu estou fazendo uma festa em homenagem ao meu pai, que é O deus das festas, mas esse cara quer que eu pare. Dionísio já não fala comigo nunca, se eu desrespeitar ele desse jeito, já era... — Abaixei a cabeça e encolhi os ombros. Quando ergui o rosto novamente para encarar a harpia mais próxima as lágrimas deslizavam por minha face. — Eu só queria que meu pai me desse atenção, mas se vocês acharem que eu mereço morrer por causa disso, não posso fazer nada...

Talvez eu tenha exagerado, mas sentia em mim a necessidade de fazer mal ao grandalhão tanto quanto precisava escapar impune.

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Bruce Harrison

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Acontece que filhos de Atena são melhores pensando antes de agir enquanto filhos de Dionísio se destacam na improvisação. Se eu fosse filho de Atena talvez conseguisse planejar uma mentira tão complexa que envolveria as harpias em minha narrativa, porém a única coisa que eu poderia fazer era apelar para o emocional das criaturas, usando minha capacidade artística para atiça-las contra Jimmy.

— Meu pai é o diretor, mas você acha que ele tem tempo pra mim? Eu sou o filho mais próximo dele e mesmo assim no meu aniversário ele me deu um cartão escrito "Parabéns, Barry!". O meu nome é Bruce. — Declamei com a voz embargada. Em seguida resolvi massagear o ego das harpias para conseguir pontos a meu favor. — Vocês são lindas, com essas asas maravilhosas e penas brilhantes, chamam a atenção de todos os olimpianos naturalmente, mas eu não sou tão bom assim. Pra chamar a atenção do meu pai tenho que me esforçar muito, entendem? — Uma lágrima solitária caiu do meu olho esquerdo.

— Mentira, mentira! — gritou Jimmy, indignado.

O troglodita esticou sua clava até meu peito e empurrou tentando me intimidar. A intenção dele não era me agredir, porém a minha compleição era mais franzina que a dele e contando com isso eu me atirei ao chão, caindo com as costas no pátio dos Chalés em plena madrugada.

— Ai! Por que você fez isso, cara? — Questionei enquanto me debatia com a mão no peito, simulando uma dor inexistente.

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Bruce Harrison

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Finalmente as harpias foram embora e me deixaram sozinho com o brutamontes, enquanto a festa acontecia dentro do Chalé 12. Apesar de ter conseguido uma punição para Jimmy eu ainda não havia me livrado do problema principal: aquele bruto querendo acabar com a farra.

Nos instantes seguintes à partida das harpias o filho de Ares finalmente absorveu o ocorrido e se enfureceu com a punição. Sua pele adotou tons de vermelho e sua respiração ofegante fazia perdigotos voarem pelo ar. Eu me antecipei e joguei com a loucura para prevenir uma retaliação. Com o talento divino eu alterei meus olhos até a coloração roxeada de uma Uva Benitaka e quem os fitasse ficaria instantaneamente confuso.

— Jimmy, meu amigo! — havia aprendido o nome do grandalhão com as harpias — Volta pro seu chalé e vai dormir. As harpias mandaram e se você não obedecer vai se encrencar. — Transmiti minha mensagem num tom de voz altivo e plácido, embora por dentro estivesse me rasgando de rir. Limpar os estábulos só por ter tocado em mim, sem dúvida uma punição adequada.

Com sorte e a eventual confusão talvez ele escutasse o bom senso e fosse dormir.

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Bruce Harrison

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O brandir de Jimmy foi imperfeito e o movimento da clava irregular. Atirei-me para o lado e rolei evitando o impacto da arma, que passou zunindo centímetros acima de mim. O grandalhão era visivelmente mais capacitado para brigas, por isso seria necessário usar minha experiência para não apanhar. Recuei imediatamente para evitar um novo ataque, sustentando nova posição no limite (pressuposto) do alcance.

— É isso que você quer grandão? Manda a ver então! — A provocação provavelmente induziria Jimmy a um novo golpe, por isso era hora de contar com a confusão dele para que acontecesse um novo erro.

Caso o movimento fosse bem sucedido eu recuaria abruptamente saindo do alcance, o que seria bom. Caso não fosse bem sucedido eu investiria contra ele com toda minha agilidade. Um soco na cara seria bom, mas Jimmy era muito mais forte que eu, por isso o foco do meu ataque seria onde dói mais: no saco.

Bruce Harrison