— Ursa Major: mne teste para Vee Bradshaw e Padma Isolde Beaufort

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A punição de Vee foi muito, muito severa.

Foi sentenciada a passar um final de semana em uma reserva de camping ao lado de um lago com muitos mosquitos e perigos naturais. Teria de enfrentar aranhas, leões, e talvez até dinossauros pré-históricos. Sentia os mamilos formigarem com o a possibilidade de fatalidades na região remota do Utah. Nunca ouviu histórias muito boas sobre o distante estado.

Vee fechou o zíper da mala e a arrastou até fora de casa, enfrentando certa dificuldade para descer pelos degraus da choupana praiana. Tinha os olhos escuros vidrados no mar californiano, pensativa. Tudo isso pelo mau comportamento durante as aulas. Que culpa tinha se não conseguia ler direito e preferia pintar as unhas durante as provas?

— Vai ser legal, Vivian, eu prometo! — disse a mãe adotiva, complacente.

A menina não se lembra exatamente quando foi adotada, mas tem total certeza que sua vida mudou completamente desde então. Teve sempre um conforto regular e muita atenção por parte da mãe. Ela era extremamente compreensiva com todas as suas dificuldades educacionais. Conseguia até mesmo ver um lado positivo em acampar no meio do país, em uma área selvagem e hostil.

— Mas e se for perigoso? Você sabe... Eu senti nos meus peitos. Algo ruim vai acontecer — explicou, arrastando a mala de rodinhas pela areia.

Vee acreditava ter um sétimo sentido nos peitos. Sempre que algo ruim estava para acontecer, eles formigavam.

— Vai ser bom. Precisa se acostumar com essas coisas — A mãe respondeu, com uma sobrancelha levantada.

Às vezes Vee imaginava se a mãe se arrependia da adoção. Não poderia culpá-la. Era um tanto problemática por tempos, e tudo parecia ter piorado nas últimas semanas, depois de fazer quinze anos.

Em seu âmago, desejava ser uma bióloga como a mãe, mas sabia que demoraria o dobro de tempo para conquistar um diploma. Vee estava fadada a descobrir outra ocupação em que fosse boa além de alimentar golfinhos. Deu um aceno de despedida para o mar verdejante e depois abraçou a mãe. Segurou o choro, mas o vazio no peito fez tudo parecer mais complicado. Não gostava muito de se distanciar da única figura familiar que podia se apegar.

— Seu táxi está chegando — disse a mãe, virando-se para o lado oposto ao mar.

Vee conseguia captar um vulto amarelo à distância, mas não sabia dizer se era de fato o táxi. Mesmo assim, mandou um beijo ao oceano mais uma vez e, enquanto caminhava na direção da calçada, mantinha os olhos colados na mãe, que ficava cada vez mais distante. Teria uma longa viagem sozinha pela frente. Iria, agora, para o aeroporto de Los Angeles, e depois saltaria para dentro de um avião até Salt Lake City. De lá teria mais duas horas dentro de um táxi até chegar ao destino final.

Que todos os deuses protejam a inocente Vee.

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Mesmo depois de ter recebido olhares de julgamento por carregar um cutelo no meio da bagagem e ter rebatido dando a desculpa de que participaria de um workshop de cortes de carne — mesmo sendo vegana —, tudo ocorreu relativamente bem. A viagem não teve turbulências e nenhuma outra complicação. Quando desceu no aeroporto, sentiu os ares mórmons preenchendo os pulmões. Foi recebida com um cartaz antiabortista e uma ressalva sobre Jesus Cristo por uma dupla de evangelizadores. Vee tinha certo receio do lugar justamente por isso: um lago salgado no meio do país e uma legião de religiosos.

Arrastou a mala até topar com um táxi. Lembrou-se de trocar o cutelo para a mochila caso precisasse dele mais tarde — poderia, por exemplo, ter de ameaçar algum rapaz que tentasse convertê-la ao cristianismo. Vee sempre foi adepta do taoismo e religiões mais energéticas e menos atuantes no mundo. Preferia equilibrar os sete chakras ao protestantismo.

Muito embora tudo estivesse dentro dos conformes até então, uma dondoca indiana tentou pegar o mesmo táxi que ela. Relutou um pouco, mas ante a insistência da mulher (vestida com roupas ainda mais inadequadas que as de Vee para a ocasião), teve de se interpor:

— Com licença, senhora — enfatizou a última palavra, na intenção de provocá-la ao mencionar sua idade. —, mas eu pedi esse táxi primeiro. Eu até deixaria que você fosse antes, mas estou com um pouco de pressa. Sabe, estou sozinha por aqui, indo para um acampamento. Espero que me entenda. Deve ter esse tipo de preocupação com os seus filhos, eu acho.

Depois do discurso, Vee abriu um sorriso verdadeiramente simpático. Seus olhos pareciam saltar de um tom para o outro, como o espectro de um arco-íris. Com toda a sua inocência, teve de direcionar o olhar aos imensos peitos da estrangeira. Ela pareceu rir da situação, e perguntou para onde Vee estava indo.

— Uaaau! Quanto custaram? — perguntou, quase levando o indicador para tocá-los, mas se conteve. — Estou indo ao Bear State Lake Park, por quê?

— Está indo fazer um detox também? — A indiana indagou, curiosa, ajustando o decote. — Que coincidência. Acho que podemos ir juntas, então, não?

— Detox de quê? — Vee perguntou, se ajeitando no interior do carro. O taxista se encarregou de guardar as malas das duas no porta-malas.

Passaram bons minutos no assento traseiro do automóvel. Vee foi uma boa ouvinte enquanto Padma, como se apresentou, incansavelmente contava suas histórias delirantes de monarquia, parecendo esconder algum detalhe muito importante sobre si mesma. A conversa das duas fez o tempo até passar mais rápido.

Vee percebeu um olhar ou outro do motorista pelo espelho retrovisor fixo, mas tentou desviar o rosto. Estava até um pouco acostumada com olhares estranhos, mas não se sentiu mais confortável por isso. Não teve coragem nem mesmo de atar o cinto de segurança, com medo de ser estrangulada por ele ou não conseguir fugir por causa disso. Os mamilos estavam vibrando, sinalizando perigo constante — inclusive, deixou Padma saber sobre seu dom que vinha dos peitos.

— Posso descobrir quando vai chover, também — disse, olhando para baixo. — Eles me avisam.

O clima ficou mais estranho quando o carro se desvencilhou da pista, partindo na direção das ribanceiras sem controle algum. O condutor, por sua vez, criou tentáculos na altura dos ombros. A pele empalideceu até ficar cinza e ele debulhou o pouco cabelo que tinha anteriormente no banco do motorista. Vee iniciou seu protocolo de autoproteção ao berrar e pedir por socorro, batendo com as mãos nas janelas enquanto se encaminhava na direção de uma árvore, onde o carro bateu e parou por causa do obstáculo.

— Padma, Padma! Chame os seus seguranças imperiais! Socooooorrooooo! — gritou o mais alto que pôde.

Uma onda de calamidade e desespero irrompeu em Vee. Sua primeira aposta foi tentar abrir a porta do carro e disparar pelo encostamento, saltando e pedindo por socorro de qualquer um que passasse. Também levou a mão ao interior da mochila, procurando sacar o afiado cutelo de bronze.

Não fazia a menor ideia do que estava acontecendo e muito menos o motivo de o motorista ter se transformado em uma criatura assustadora. Em sua tentativa de fuga, também ponderou que não poderia deixar Padma sozinha.

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Vee continuou a gritar quando o monstro partiu em sua direção. Ela sabia que tudo poderia dar errado. Havia sentido isso, mas ignorou seu senso precognitivo. Não cometeria o mesmo erro novamente. Nota mental adquirida.

Sua primeira reação foi tentar se abaixar quando notificou dois dos incontáveis tentáculos vindo diretamente contra sua cabeça. Se seria rápida ou sortuda o suficiente? Talvez. Mesmo assim, não hesitaria em contra-atacar. Caso tudo sucedesse como o pensado, cortaria os dois braços que se estenderam em sua direção com a lâmina do cutelo em um golpe vertical — isso se, também, fosse rápida o suficiente. Também evitaria ficar parada para não ser alvo novamente. Correr pelo encostamento parecia uma boa ideia, independentemente de ter acertado ou não.

— Padma, socorro! — tornou a gritar, desesperada, munida de uma faca de corte de bronze.

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Vee não teve tempo nenhum de esboçar uma outra reação. Ao mesmo tempo que gostaria de comemorar seu sucesso em picotar o monstro, queria esconder-se atrás dos antebraços enquanto ele investia novamente, ainda mais furioso. Optou pela segunda opção por apresentar um pouco mais de segurança ante a situação desvantajosa. A lâmina do cutelo brilhando.

Entretanto, teve de espiar pelo vão dos membros quando escutou um grito de dor. Os olhos assimétricos reluziram em violeta quando percebeu uma flecha encravar-se bem no meio dos olhos do monstro. Vee vibrou com o acerto, muito embora sentisse certo receio por não ter visto exatamente de onde aquilo veio. Quando ele se esfarelou em uma poeira dourada, a garota teve de virar-se para se certificar de que saberia por quem caso fosse acertada também.

O que viu causou certa confusão. Uma mulher com um cabelo esvoaçante inteiramente grisalho, apesar de isso não ser nenhum indício de idade, já que seu rosto não possuía nenhuma idade definida — mas, ainda assim, aparentava jovialidade. Sua voz ríspida fez Vee pressionar os dedos com mais firmeza ao redor do cabo da faca.

— Eu sou Vee Bra... Espere. Quem é você? Não vou dizer meu nome! — ponderou, afirmativa.

O seu olhar abaixou um pouco quando percebeu que a desconhecida estava munida de mais uma flecha em seu imenso arco. Mesmo assim, Vee tentou ressonar imponente e corajosa, mesmo que o timbre soasse um pouco esganifado e tivesse os lábios um tanto trêmulos.

— Não vai nos atacar, certo? Estamos do mesmo lado, não estamos? — indagou quase gritando, dito a distância até a ouvinte.

E era o que parecia, ao menos. As três enfrentaram o mesmo ofensor. Mesmo que quisesse negar para soar mais heroica, Vee foi salva por ela. E não queria ser seu próximo alvo. Sua pontaria era certeira. Cautelosamente, tentou se aproximar ao passo em que arrumava os cabelos e as sobrancelhas. Caso morresse, queria pelo menos estar bonita.

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Visivelmente incomodada com a maneira que as duas se despediram, Vee teve de intervir.

— Ei! Vocês não vão simplesmente nos deixar aqui, certo? — perguntou, elevando o tom de voz para ser ouvida à distância. — Poderiam pelo menos chamar um táxi? Um que não tenha um motorista assassino e com tentáculos?

Vee conseguia sentir as bochechas enrubescendo. Temia ser flechada no peito pelas arqueiras, mas morreria de qualquer jeito se ficasse sozinha com Padma no meio de uma rodovia desconhecida. Precisava encarar o medo. Os mamilos vibravam em algum indicativo de alerta. Desta vez, seguiria os próprios instintos. Mesmo que fosse ignorada verbalmente, sentia-se na obrigação de caminhar no encalço das duas caso quisesse permanecer viva.

Queria uma resolução rápida. Algo nos peitos dizia que seria muito mais perigoso caso ficassem paradas por ali.

— Vamos atrás delas, Padma.

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