• Clarisse {Fan-fic} [Não tem nada relacionado à filha de Ares] ⌂ Letícia

Essa é uma fan-fic escrita por mim há algum tempo e que até agora não consegui dar continuidade graças à não-empolgação para isso. Eu espero que vocês gostem, pq caso gostem, eu continuarei ela. ^^

Nota: A estória foi única e exclusivamente baseada na música Clarisse - Legião Urbana.

Clarisse

Ela esfregou o rosto contra o azulejo frio do banheiro, levemente embaçado pelo vapor do chuveiro ligado. Apoiava ambas mãos na parede, enquanto a água morna - quase fria - corria por suas costas, contornando cada uma de suas curvas defeituosas e fazia arder suas cicatrizes.
O sangue misturava-se à água como um só ao atravessar os buracos escuros do ralo. Ela podia sentir... Sentir quando uma gota mais quente atravessava o seu rosto, algo além que só a água do chuveiro. Uma chuva só dela.
Debilmente recuou o pescoço e bateu a face contra a parede. Sua testa cometia o erro de não quebrar; batia, parecia oca, mas não quebrava. Fechou os olhos com força, como quando fazia à inocência da infância. Quando sofria de pesadelos, ela tentava buscar um grão de consciência e tentar fechar os olhos; na maioria das vezes ela acordava... Mas algumas vezes isso não acontecia.
Era como se tudo estivesse implodindo dentro dela, e então ela desligou o chuveiro. O líquido vermelho havia sido lavado e os cortes nos tornozelos já não mais sangravam, pelo menos isso.

- Clarisse? - ouviu uma voz à porta; era sua mãe.
- Toalha, mãe - respondeu a garota, abrindo a porta de vidro do boxe com cuidado. Sentiu o chão frio tocar a base dos seus pés, mas não estremeceu. Sua mãe abriu parte da porta, o suficiente para que seu braço entrasse e pendurasse uma toalha azulada em uma alça ao lado da porta; fechou-a. Clarisse encarou diversas vezes a forma como aquilo parecia irremediavelmente monótono.
Ela acordava, sorria (em vezes verdadeiramente). Locomovia-se até o banheiro do quarto e banhava-se, com a mente vazia, embora pesada. Só podia admitir à si mesma que era normal quando estava dormindo. Frequentava a escola como qualquer outra garota, mesmo com sua dificuldade reconhecível para a maioria das coisas. Algumas pessoas olhavam-na estranho, de canto; ela conhecia a maioria desses olhares. Não era inveja, era algo... Algo pior.
Mas, felizmente, uma sexta-feira entardecia. Sua rotina estava sendo cumprida com mérito.
Vestiu-se classicamente: alguma camiseta escura de uma estampa qualquer e uma jeans escura. Nada que causasse grandes surpresas; não era considerada algo muito chamativo, exceto quando o queria. Enquanto calçava suas meias, encarou profundamente os cortes que havia feito na noite passada. Era uma pedra quando dormia, mas quando não conseguia descansar... Ela sentia perturbação. E, com um quarto só dela, sentia-se liberta ao manejar um pequeno canivete que detinha junto com ela.
Resolveu que precisava pelo menos cobrir os machucados com algum curativo e alguns de sua caixinha de band aid resolveram bem essa questão. Seus olhos estavam cansados e meio perdidos naquela imensidão azulada (a cor do seu quarto).

[...]

Clarisse - Quem... Quem é? - Capítulo II

Ela sentia o poder de sequer mexer-se; poderia ficar da mesma forma por horas e horas, sentindo a essência estranha do que é a morte. Conhecia muito bem a sensação, quase inerte em sua própria circunstância remanescente, permanente. Ainda com a roupa solta, meias mal colocadas, jogou-se sobre a cama bagunçada, colocando as mãos como apoio por baixo de sua cabeça enquanto observava o teto sem se mexer; o que via e quem olhava.
Havia sobrevivido puramente a catorze anos sem nada que pudesse expressar verdadeiramente à alguém. Muito tempo passara sem que qualquer um a visse chorar, e até mesmo ela negava para si mesma que o fazia, quando na verdade bastavam alguns segundos para que sua mente a levasse em passeios de caminhos tristes; pensamentos tristes e consolidações irremediáveis. Sonhos que se configuram tristes e inertes.
Rolou os olhos até que finalmente ouviu o bater da porta; sua mãe estava saindo. Para onde? Ela não sabia. Sua mãe... Era algo complicado. Ela preocupava-se, mesmo que Clarisse pudesse notar a amargura daqueles dentes amarelados; sua mãe era como ela. Nunca tivera contato com o pai, mas era obrigada a chamar muitos homens desconhecidos deste mesmo nome. Homens que frequentavam sua casa dia sim e dia não. Talvez, no fundo soubesse para onde sua mãe ia todas as noites.
Levantou-se da cama subitamente, sentindo os pés fraquejarem ao tocarem o chão. Havia ultrapassado tanto dos limites da dor? Cambaleou, mas apoiou-se sobre a um pequeno crucifixo havia pendurado acima da parede de sua cama. Sem poder aguentar muito, a pequena corrente cedeu, e Clarisse estatelou-se no chão, sentindo o gosto amargo da poeira juntamente com o sangue, algo que lembrava-a ligeiramente o gosto do ferro. Arrastou-se na direção do gaveteiro posto do outro lado do quarto; via o motivo pelo qual não podia erguer os pés. Os machucados voltaram a sangrar e seus pés formigavam. Ela, apoiando-se na borda da última gaveta, abriu a segunda, arrancando de seus trapos duas pequenas faixas. Amarrou-as em torno dos tornozelos, rasgando as meias com pressa.
Respirou fundo quando a faixa ensopou-se de sangue, e podia ver o seu reflexo em uma poça que circulava todo o seu corpo. Mas, ela ainda respirava, apesar de não encontrar forças para se levantar. Ainda com a segunda gaveta aberta, pegou um pequeno espelho de um conjunto de maquiagem velho que ganhou de sua avó quando pequena. Via seu rosto abatido naquele reflexo, o lábio deixava escorrer um pequeno fio de sangue, não tão grave quando os ferimentos nos pés.
- Deuses - disse, parecendo recuperar consciência. Olhou desesperada para o chão manchado de sangue; a madeira escura deixava que o líquido adentrasse em cada uma das separações de tábuas, mas aquilo provavelmente começaria a manchar e feder se deixasse assim. Agarrando-se no pé da cama e tentando por alguns minutos levantar-se em vão, finalmente conseguiu, mesmo que titubeando algumas vezes. Tropeçando e mancando entre vezes, mas, por fim, alcançando o banheiro. Abriu a pequena portinha do vidro junto à pia, assistindo diversos dos remédios antidepressivos e calmantes de sua mãe misturarem-se difusamente com o seu objetivo. Balançou a cabeça, retirando dessa qualquer pensamento ilícito. Abriu as gavetas procurando pelo álcool e achou-o na parte de baixo do balcão da pia, juntamente com um pano.
Quando virou-se, encarou dois rastros de sangue que deixara ao ir até o banheiro. Iria logo abaixar-se para limpar o rastro quando ouviu batidas na porta...

[...]