[MISSÃO ONE POST] Você é o jantar // Heron Devereaux

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[MISSÃO ONE POST] Você é o jantar // Heron Devereaux

Mensagem por 141 - ExStaff Ter 16 Out 2018, 16:51


one post



O jovem Devereaux estava parado em frente a uma porta branca, havia acabado de tocar a campainha duas vezes seguidas e agora aguardava pelos anfitriões. Mais cedo receberá uma ligação de alguns empresários solicitando uma reunião casual onde iriam ofertar uma parceria que seria benéfica e extremamente lucrativa para as corporações Genesis. Obviamente o garoto aceitou.

A porta se abriu revelando um homem alto de porte largo, barba bem aparada e cabelo baixo, ele lhe sorriu e convidou para entrar. Na sala com copos de whisky outros dois rapazes interagiam, deixando-se rir e provando a bebida vezes ou outra. Talvez fosse interessante aquela noite.

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Re: [MISSÃO ONE POST] Você é o jantar // Heron Devereaux

Mensagem por Heron Devereaux Seg 05 Nov 2018, 03:17

Hill House
You're expected

H
eron sentiu o coração bater mais rápido. “1, 2, 3, 4, 5, 6, 7”, sussurrou para si mesmo. Era um moleque de 7 anos outra vez. Os cabelos finos e dourados caindo por sobre os olhos cansados. As palavras quase não saíam da boca. Estavam tão assustadas quanto ele. Um arrepio correu pela sua espinha e ele puxou a colcha de retalhos coloridos para cima, cobrindo todo o corpo. Apenas seu rosto para fora.

Era noite e o quarto mal iluminado tornava tudo um pouco mais assustador. Ele passou os olhos pelo tapete sujo e felpudo no chão de madeira corrida. Viu os móveis de madeira velhos, empoeirados. O papel de parede desbotado que cobria todo o pequeno quarto. Decidiu que não sabia onde estava. Decidiu, também, que tinha a sensação de que não estava sozinho.

Ele atravessou o quarto com o olhar mais uma vez. Respirou fundo, tentando manter a calma. A luz dos relâmpagos entrou pela única janela do quarto. Seus olhos alcançaram a penumbra num dos cantos e lá estava ele. Terno surrado, olhos vazios, rosto sem expressão. Seu corpo de cabeça para baixo, porque uma corda descia do teto e envolvia os tornozelos dele, mantendo-o naquela posição. Seus lábios se moviam, mas só o que escapava deles era um ruído baixo, como giz roçando no quadro negro.

O barulho arrepiou os pelos do corpo do pequeno Heron. Ele se escondeu embaixo das cobertas e contou até 7, para manter a calma, afastar as péssimas ideias e escapar dos pesadelos.

“1, 2, 3, 4, 5, 6, 7.”


Primeiro Ato - Tentação


Cúmulo-nimbos se reuniam no céu do fim de tarde, cobrindo o pouco de luz que ainda restava no dia. Heron saltou para fora do sonho e se agitou no banco de trás do Audi A8. Ele sentou, esfregou os olhos, passou uma mão pelos cabelos dourados e lançou um olhar em direção ao espelho retrovisor na frente do carro. As sobrancelhas arqueadas, os olhos perdidos numa centena de pensamentos e a sensação de que uma mão se fechava em volta de seu coração, como uma promessa de que nada de bom fosse acontecer na sua vida dali pra frente.

— Algum problema, senhor Devereaux? — disse o homem na frente do volante. Era Chase, o motorista. Ombros largos, músculos do rosto enrijecidos e cabelos negros longos que ele escondia num coque debaixo do chapéu de chofer.

— Tive um pesadelo, eu acho. — As imagens se desvaneciam, como acontecia normalmente aos sonhos. Mas os sentimentos de pânico e agonia ficavam, como acontecia normalmente aos pesadelos. — Meu nome é Heron, aliás — repreendeu, como costumava fazer com Chase. Era bobagem. Ele nunca aprendia. Mas já tinha virado uma tradição entre os dois. — Aonde vamos?

Os olhos de Chase se desviaram do asfalto e do retrovisor por um segundo, em direção ao GPS no painel do carro.

— Hill House, em Staten Island.

— Ah, é? Por quê? — Quis saber. Mas a mente já se organizava outra vez e a tempestade de pensamentos dava lugar à calmaria. A pergunta ia, aos poucos, respondendo a si mesma.

— Não sei. Isso é com você. — Atravessavam a Bayonne Bridge em direção a Staten Island, onde uma reunião bastante incomum estava prestes a acontecer. Não costumava sair da Genesis Corp. para fechar um contrato. Era incomum até que ele fosse ao encontro dos investidores. As pessoas é que vinham ao seu encontro. Ainda assim, essa não chegava a ser nem a décima coisa mais estranha que havia acontecido recentemente. Ainda sentia um pouco de dor nas últimas costelas da grade costal. Sempre que pensava nelas, lembrava do olhar divino iluminado pela lua, na noite em que fechou um contrato com os novos deuses e foi arremessado contra os móveis da sala de jantar.

Seguiram parte do caminho em silêncio, enquanto os pensamentos se perdiam nas lembranças daquela noite. O rosto do filho de Athena encostou no vidro e ele observou o movimento da paisagem lá fora. Os prédios e as construções iam dando espaço para a vegetação natural. A residência Hill ficava há alguns minutos de distância da zona urbana da ilha. Portões de ferro negro altos se abriram, quando o Audi A8 se aproximou. Paredes de tijolos vermelhos separavam a propriedade da vida selvagem e uma estrada de cascalho indicava o caminho em direção à nada humilde mansão.

Hill House era uma construção de três andares e a impressão que dava era de que alguém planejava construir um castelo, mas desistiu no meio do processo e transformou o que já estava pronto numa casa. O estilo arquitetônico americano se misturava à torre de pedra na fachada. Não era muito harmoniosa, mas, de qualquer jeito, tinha seu charme. As paredes eram feitas de tijolo vermelho e no teto, as ameias da torre se misturavam às telhas gravilhadas. Hera crescia na base da torre e subia até quase a metade do primeiro andar.

Chase parou o carro em frente aos degraus de pedra que levavam até uma enorme porta branca. Virou o corpo, em direção a Heron.

— Devo esperar?

— Não. Isso deve demorar. Mas não vá muito longe — Heron balançou a cabeça e desenhou um pequeno sorriso no canto da boca, antes de descer do carro. Bateu a porta e o carro atravessou o caminho de cascalho, em direção aos enormes portões de ferro da propriedade.

Um raio riscou o céu cinzento e pousou nas montanhas atrás da residência Hill. Trovoadas ribombaram pelo ar quando Heron pôs os pés sobre os primeiros degraus de pedra. Seus olhos correram pela fachada e pousaram nos canteiros de flores mais próximos. Um homem de poucos fios cinzentos ajoelhava-se próximo a eles. Nas mãos, ferramentas de jardinagem que ele parecia tentar usar para salvar o que havia restado ali. Mas as flores já estavam murchas, secas e as pétalas se desmanchavam quando os dedos do homem se aproximavam delas. O lugar parecia não receber cuidado há bastante tempo e nem mesmo a grama parecia ter uma cor muito boa. O velho afastou o olhar do que restou do jardim e voltou sua atenção para o filho de Athena. O rapaz acenou. Um sorriso no rosto. Mas não recebeu reação do jardineiro. Suas expressões eram tão vazias quanto seus olhos.

Heron franziu o cenho, afastou os olhos e continuou a subir os degraus em direção à porta branca. Tocou a campainha de som aveludado duas vezes e cruzou os braços. A porta se abriu, revelando um homem alto e de profundas olheiras. Os cabelos cinzentos eram bem penteados para trás e o rosto era bem emoldurado, com uma barba bem aparada da cor dos fios no topo da cabeça.

— Senhor Devereaux. É um prazer recebê-lo. Filkenstein — disse, estendendo a mão ossuda em direção ao filho de Athena. — Mas pode me chamar de Fred.

— Senhor Filkenstein. Acho que nos falamos pelo telefone mais cedo — respondeu o rapaz, antes de apertar a mão do homem à porta.

— Exatamente. Que achou da propriedade? — disse o homem. Uma gota de orgulho temperando a pergunta.

— Interessante. Meu forte não é o ramo imobiliário, se é isso que quer saber. Mas acho que ajudaria se o jardim fosse mais bem cuidado.

— Sim, sim. — A resposta do filho de Athena derramou um pouco de amargor sobre as palavras do senhor Filkenstein. — Parece que estamos numa urgente necessidade de contratar um jardineiro.

— Qual o problema com o jardineiro atual?

— Que jardineiro atual? — Heron inclinou a cabeça para o lado. Sentiu o cenho se franzir. Estava prestes a virar o corpo em direção aos canteiros da fachada, quando...

— Fred! — Alguém chamou lá dentro.

— Ah, sim, sim... Entre, senhor Devereaux, por favor, — disse enquanto se afastava da entrada — os outros estão esperando.

Os trovões ribombaram no céu outra vez, quando Heron pôs os pés dentro da casa. A sala de estar tinha chão de madeira e móveis que com certeza não eram daquela década. No enorme sofá vermelho, dois homens de terno aguardavam a chegada do filho de Athena. Levantaram-se imediatamente e cumprimentaram o rapaz. Um tinha o rosto magro, ossudo e o nariz pontudo e empinado. Se chamava Edgar Hallstrong. O outro tinha a carne mais bem distribuída pelo rosto avermelhado. As entradas nos cantos da testa indicavam que a calvície se aproximava para Omar Melstroop. Sorrisos largos, palavras amistosas e mais um monte de perda de tempo, antes que Heron finalmente pudesse sentar no sofá vermelho de frente para uma pequena mesa de centro de madeira e vidro.

— Devo dizer, esse tipo de reunião é muito incomum. Não costumo visitar possíveis sócios. Um horário em uma das salas de reunião da Genesis teria sido uma escolha melhor.

Filkenstein sorriu.

— Sei. Sei. Mas não achei certo discutir assuntos tão importantes perto de tantos ouvidos... — Heron ouviu as palavras do homem mais velho, enquanto seus olhos passeavam pela sala. Viu um arco que se abria em direção ao que ele presumiu ser a cozinha. Na borda do arco, uma menina de cabelos dourados e curtos colocava a cabeça para fora da cozinha e mirava seus olhos azuis em direção ao filho de Athena. Heron a fitava também. Com tanto foco, que chegou a escapar um pouco do discurso do senhor Filkenstein. — Senhor Devereaux? — Disse o velho, chamando sua atenção.

— Sim? — Ele respondeu, afastando os olhos por um segundo, em direção ao homem.

— Espero que entenda isso. Quando tudo estiver resolvido, as ações da Genesis irão às alturas.

Heron balançou a cabeça, concordando. Voltou seu olhar de novo em direção ao arco da cozinha. Mas a garota havia desaparecido.

— Entendo. — Ele disse, afastando a menina de seus pensamentos e direcionando sua atenção outra vez para a reunião. — Bom, é por isso que estou aqui, afinal. Mostre-me o que tem a oferecer.

— Sinto uma parcela de ansiedade em suas palavras, senhor Devereaux. Uma inquietude. — Heron torceu o nariz. Não gostava de deixar que as emoções interferissem nas negociações. — Não vamos nos apressar, sim? Edgar, vá arranjar para que a senhora Venable traga as bebidas. Bebe uísque, senhor Devereaux?

— Ah, sim... Claro.

— Perfeito.

Edgar atravessou a sala de estar e voltou acompanhado de uma mulher alta, esguia, de cabelos ruivos presos num coque e face inexpressiva. Trazia uma bandeja, com quatro copos de uísque. Filkenstein tomou cuidado para entregar ele mesmo um dos copos para o senhor Devereaux. O filho de Athena lançou alguns olhares em direção à bebida. Não pensou muito, antes de empurrar uns bons goles em direção à garganta. Heron afastou o copo da boca, quando viu os ombros do senhor Filkenstein baixarem, numa clara expressão de alívio.

— Algum problema? — Quis saber o filho de Athena. Sentiu os pensamentos na cabeça se anuviarem.

— Não. Nada. — O campo de visão do semideus começou a diminuir. As coisas começaram a perder o foco. — Tenho pensado em como nossos negócios serão benéficos para nós. — O velho apontou em direção aos outros. — Para nós. Não tanto para você. — Heron sentiu os músculos do corpo perderem a tonicidade. Sentia o corpo mole, a mente embaçada, a consciência escapando-lhe aos poucos.

Os homens se levaram e a senhora Venable colocou a bandeja sobre a mesa de centro. Eles se afastaram do sofá. Os corpos se contorciam. Suas peles afrouxaram, despregando da carne e se desfazendo, como uma cobra se livra da pele durante a ecdise, ou como um ser humano se livra da roupa suja. Uma expressão passou pela mente de Heron. Ele sussurrou as palavras para si mesmo. Em meio à nuvem que cobria seus pensamentos, ele refletiu sobre a frase. Viu os monstros saltarem para fora de suas peles. Criaturas de tez clara e fina, como papel, com dentes que deixariam qualquer dentista envergonhado. Os olhos fundos e vazios, que distribuíam arrepios pelo corpo do filho de Athena. Pensou um pouco mais sobre a expressão e decidiu: Os monstros, de fato, vivem dentro de nós.


Segundo Ato - Provação


Cefaleia tensional. Quando as situações estressantes se acumulam, a cabeça começa a doer, em faixa, pelas regiões frontal, temporal e occipital. Como se o mundo se fechasse em torno dela, pressionando crânio, cérebro e tudo mais que havia lá dentro. Heron já estava acostumado com a dor. Gostava de abrandá-la com uma dose de uísque. Mas, dessa vez, era diferente. Mais forte. Seus olhos se abriram lentamente e ele atribuiu a intensidade da dor ao fato de que estava pendurado de cabeça para baixo.

O filho de Athena se agitou. A frequência respiratória aumentando, o efeito do veneno anuviando sua mente, a certeza de que estava completamente fodido. Arqueou o corpo, tentando alcançar os pés e viu que uma corda de sisal o segurava preso ao teto. Uns segundos foram o bastante para a gravidade empurrá-lo de volta para baixo. Ele respirou fundo e seus olhos dançaram pelo cenário onde ele se encontrava. Não estava mais na sala de estar, rodeado de criaturas que saltavam para fora de suas peles.

Estava num quarto. O piso de madeira envelhecido fora coberto por um tapete empoeirado, mas que dava um pouco de vida ao lugar. Havia uma porta que devia levar a um armário de roupas, ou a um banheiro. Os móveis eram antigos e empoeirados. Desgastados, mas, ainda assim, de ótima qualidade. Uma cama de solteiro no meio do quarto, forrada por uma colcha de retalhos das mais variadas cores. Só a luz do céu cinzento, que entrava pela única janela, iluminava o lugar. Às vezes, os relâmpagos cintilavam lá fora, dando uma aparência ainda mais assustadora ao quarto vazio.

Heron precisou de um instante para reconhecer o quarto. Já tinha visto aquele lugar umas 10 vezes naquela semana. Ainda assim, das vezes que havia visitado o lugar, assumia um ponto de vista diferente. Nos sonhos, era a criança que dormia no quarto, assustada pelo seu eu adulto, pendurado de cabeça para baixo no canto do quarto. Agora, assumia o outro ponto de vista. Havia se tornado um de seus piores pesadelos.

Já havia ouvido falar sobre os sonhos de semideuses. Visões de futuro, passado e presente que podiam ser entregues enquanto os meio-sangues dormiam. A ideia fez um arrepio correr pelo seu corpo e a constatação de que havia ignorado sinais de que o futuro lhe reservava o fracasso fizeram seu estômago se revirar, ameaçando empurrar para fora o pouco que havia comido naquele dia. Heron afastou o pensamento. Sentiu-se feliz por conseguir. Era sinal de que o efeito do sonífero se dissipava em seu sistema. Da porta de entrada, vozes abafadas ecoavam, vindas lá de baixo, onde as criaturas se reuniam. O filho de Athena respirou fundo.

“1, 2, 3, 4, 5, 6, 7.” A corda partia dos tornozelos do rapaz, subia em linha reta e fazia uma curva no gancho preso ao teto, para seguir em direção a outro gancho na parede mais próxima, onde ela havia sido amarrada. Heron balançou o corpo e arqueou o tronco, agitando-o para um lado e para o outro, até que suas mãos alcançaram o nó no gancho da parede. Os dedos o desfizeram com facilidade e seu corpo despencou com um baque.

As criaturas lá embaixo devem ter ouvido. O som abafado que chegava pelas brechas da porta cessou e Heron pôde ouvir o barulho de passos subindo as escadas. Uma injeção de adrenalina, em conflito com o sonífero ainda em seu corpo. Ele se livrou depressa da corda em seu tornozelo. Se colocou de pé e pensou em saltar para fora da janela. Seus dedos tocaram a moldura de madeira do vidro, empurrando-o para cima. Emperrada. Nem dois dedos da janela se abriram. O som dos passos lá fora aumentava, cada vez mais próximos. Heron desistiu da janela. Girou a maçaneta do armário de roupas e se jogou para dentro dele. Uma decisão acertada, já que, no instante seguinte, a velha que lhe serviu o uísque batizado entrou no quarto vazio. Vestia a pele de humana outra vez, Heron pôde ver pelo buraco da fechadura.

— Merda, merda, merda — sussurrou para si mesma, enquanto se ajoelhava para olhar debaixo da cama.

— Algum problema aí em cima, Venable? — Gritou o senhor Filkenstein lá embaixo.

— Nada. — Ela disse em resposta. — O senhor Devereaux escorregou enquanto tentava encontrar o banheiro. — A mulher continuou, enquanto caminhava em direção à porta. Deixou o quarto e partiu para o caminho de volta à sala de estar. — Está bem, coitado. Mas acho que vai ficar roxo...

Sua voz se transformou num ruído, quando ela começou a descer a escadaria. Heron saltou para fora de seu esconderijo. Abriu a porta do quarto com cuidado e passou para o corredor. Um tapete vermelho bem decorado se estendia por todo o estreito espaço. As portas se espalhavam pelo corredor, de um lado e de outro. Só um pequeno basculante em cada ponta do corredor deixava a luz entrar, tornando o lugar um pouco macabro. Heron olhou para a esquerda. Portas a perder de vista.  Olhou para a direita. Mais portas. Não sabia para onde ir. Quando voltou os olhos de volta para o lado esquerdo, viu a pequena de cabelos dourados. Os olhos fixos no filho de Athena. A pequena mão agarrava a maçaneta da última porta do corredor. Ela abriu a passagem e adentrou o quarto.

Heron hesitou por um instante. No seguinte, atravessava o caminho da esquerda, entrando no quarto que a menina havia escolhido.

Nada ali. O lugar era pequeno e bastante mal decorado. Não havia papel de parede ou móveis bonitos na pequena salinha como haviam no outro quarto. Heron reconheceu que se tratava de uma área de serviço. Mas o que lhe chamou atenção é que a menina de cabelos dourados não estava lá dentro. Não havia onde se esconder, exceto no pequeno elevador, que devia comunicar a área de serviço à cozinha. Era o que os empregados da casa usavam para transportar bandejas de comida e cestos de roupa suja através dos andares. O espaço era pequeno, mas grande o bastante para acomodar a menina. Heron ouviu o som dos passos na madeira da escadaria. Vozes alteradas. O som aumentado lhe permitiu ouvir um pouco do que falavam.

— Como assim “escapou”? — Disse uma das criaturas.

— E eu que sei?

— E o motorista? — o sangue no corpo do filho de Athena escapou das extremidades. Se tivesse alguém para ver, teria percebido que ele ficou pálido ao ouvir as palavras. Sabiam que falavam de Chase.

— Foi embora. Não consegui fazer com que ele colocasse nada na boca — resmungou outro.

— Uma pena. Tinha bastante carne.

— Que é que ele queria, afinal?

— O filho da puta deixou o celular cair no banco do carro enquanto cochilava no caminho pra cá. O motorista veio devolver.

— Calem a boca e ajudem a procurar.

Os passos abafados pelo tapete se tornavam mais altos. As portas rangiam, enquanto as criaturas iam vasculhando quarto por quarto. Heron decidiu não esperar até que o encontrassem. “Tomara que seja grande o bastante pra mim também”, pensou, enquanto encolhia os membros junto ao corpo e se empurrava para dentro do pequeno elevador. Ele apertou o botão e desceu.

Escuridão. Tudo era silêncio, exceto pelo som dos cabos roçando nas roldanas. Tinha certeza de que estava excedendo o peso limite permitido. Ainda assim, o elevador o levou até a cozinha. Ele desceu do carrinho. Se arrependeu de fazê-lo no mesmo instante. A cozinha fedia a fungo, fruta podre fermentada e carne que já não servia pra comer. Havia uma enorme mesa de madeira no centro do chão coberto por ladrilho branco. Marcas de um cutelo e sangue seco decoravam toda a extensão da mesa. Do outro lado, uma geladeira velha, de uma marca que não fabricava mais desde os anos 90. O eletrodoméstico combinava com o fogão de seis bocas e o balcão encardido que se estendia pela parede. Havia uma pia, onde uma pilha de pratos se acumulava, aparentemente, há muito tempo. Uma espécie de bolor crescia entre eles. Mas Heron não quis estudá-lo por muito tempo.

Virou o rosto e viu uma porta metálica no canto mais distante do grande balcão. Viu também a menina de cabelos dourados. Parecia fraca. Mas seus pequenos braços foram capazes de destrancar a porta metálica. Ela entrou na sala seguinte e Heron soube que ela queria ser seguida. Deu a volta na mesa de madeira, puxou a alavanca que abria a porta de metal e sentiu uma lufada de ar frio acertar seu corpo.

Era uma espécie de refrigerador. Um frigorífico. O lugar era revestido de metal e um sistema de refrigeração mantinha a temperatura sempre baixa. Havia prateleiras com peças de carne dos mais variados tipos. Mas Heron não pôde dar atenção a nada daquilo. É que no centro do pequeno frigorífico, três ganchos de ferro desciam do teto e agarravam três enormes pedaços de carne. Três pedaços de gente. Os corpos desnudos da mulher, do homem e da criança, pendurados pelos ganchos de metal, eram permeados por grandes marcas de mordida que se espalhavam por todo o corpo.

Heron só olhou por um segundo. Afastou os olhos. Sentiu o estômago se revirar um pouco antes de cuspir bile e os restos do que havia comido naquele dia para fora. Os olhos lacrimejaram, até que as lágrimas transbordaram. Não sabia muito bem porque chorava. Não conhecia aquelas pessoas. Mas chorava mesmo assim.

“Shh!”, sussurrou a menina de cabelos dourados. Heron levantou os olhos e lá estava ela. Num canto do pequeno frigorífico. Viu também o jardineiro próximo a ela e uma mulher de características bem semelhantes à da pequena. Heron olhou mais uma vez para os corpos pendurados nos ganchos e entendeu que a menina, a mulher e o jardineiro já estavam mortos há bastante tempo. Eram apenas lembranças do que haviam sido. Fantasmas que permaneciam inquietos, assombrando a casa, na esperança de serem vingados. Na esperança de receberem justiça pelas atrocidades que lhes foram cometidas ali.

Heron respirou fundo. Limpou o rosto com as mangas do casaco. Seus olhos fixos no rosto da pequena. Havia serenidade nos olhos dela. E Heron sabia o porquê.

Seriam vingados naquela mesma noite.


Terceiro Ato - Redenção


Cefaleia tensional. A dor se espalhava por toda a cabeça. Pressionando o crânio, esmagando o cérebro, estilhaçando as ideias. Ele desabotoou o casaco. O choque térmico entre a sala de frios e a cozinha o fazia suar. Ele tirou o casaco, jogando-o sobre a grande mesa de madeira. Afrouxou a gravata, livrou-se dela e desabotoou os botões do punho da camisa branca. Puxou as mangas da mesma pra cima, até a altura dos cotovelos, onde as cicatrizes de seu corpo ainda não apareciam.

Não queria pensar muito no que estava fazendo. Ainda assim, era um filho de Athena. As ideias já se alinhavam em justaposição na mente, nos moldes de um plano. Ele apanhou uma faca largada sobre o balcão encardido e apunhalou o casaco sobre a mesa de madeira, arrancando um pedaço do tecido. Heron colocou o pedaço de tecido nos dentes, para deixar suas mãos livres. Aproximou-se do fogão velho e abriu a portinha do forno. Girou todas as bocas e fungou o ar, até sentir o cheiro amargo do gás de cozinha. Agarrou uma caixa de fósforos que repousava sobre uma das bocas do fogão e a colocou no bolso esquerdo.

Depois disso, deixou a cozinha e atravessou o caminho até a sala de estar. Apanhou duas garrafas de uísque na mesinha de centro. Uma, ele deixou fechada. A outra, ele abriu e empurrou o pedaço de pano que carregava nos dentes para dentro da mesma. Colocou as duas garrafas no batente da porta da frente. Virou em direção à mesa de centro e viu seu celular repousando sobre ela. Agarrou o aparelho eletrônico e colocou no outro bolso.

Depois disso, voltou sua atenção para a escadaria que levava até o primeiro andar. Tinha um fogo nos olhos que só conseguiria apagar de uma forma. Ele subiu o enorme lance de escadas em direção ao primeiro andar. Pôs os pés no corredor e levou apenas um instante para descobrir que não estava só.

As criaturas se contorciam do outro lado do estreito espaço. A pele afrouxava em seus corpos outra vez e se desmanchava em pedaços, enquanto assumiam suas verdadeiras formas. Eram criaturas um pouco mais altas que Heron. Pele pálida, dentes afiados, olhos famintos. Avançaram em sua direção.

Heron fechou os olhos e odiou a si mesmo por ter que recorrer aos poderes herdados de sua mãe. As unhas em suas mãos cresceram, transfigurando-se, até se transformarem em garras. Eram como lâminas afiadas. Cinco gumes em cada mão.

Ele agitou as garras à frente do corpo, ameaçando espetá-las no primeiro que chegasse perto o bastante. As criaturas hesitaram por um instante. Mas o senhor Filkenstein era mais obstinado. Avançou. As pontas das unhas roçaram a pele de seu peito desnudo. A carne era podre, quase não tinha sangue. Em vez disso, deixava escorrer uma substância pastosa amarronzada, como sangue em decomposição. Heron não esperou que se aproximasse nem mais um pouco. Chutou a criatura na altura da barriga, fazendo-o cambalear para trás e tropeçar sobre os outros três monstros.

O senhor Filkenstein caiu sobre duas outras criaturas, que deitaram no chão junto a ele. Estava prestes a se colocar de pé outra vez, quando Heron se aproximou, cravando as unhas no abdômen da criatura. 1, 2, 3 vezes, até que a pasta de sangue cobrisse toda a sua pele esbranquiçada.

O filho de Athena voltou sua atenção para as duas criaturas que tentavam escapar do peso do corpo do senhor Filkenstein sobre eles. Heron reconheceu Edgar, quando pôs suas mãos em volta da cabeça dele, martelando-a contra o chão. Ele puxou o monstro atordoado para perto. Abriu a porta mais próxima, empurrou a cabeça da criatura para a abertura e fechou a porta contra ela, 1, 2, 3 vezes. Ficou feliz em descobrir que dava para deixar o rosto daquelas criaturas um pouco mais assustador do que já eram. Edgar permaneceu caído sobre o chão, mas as duas criaturas restantes avançaram em direção ao semideus.

Viu prazer em esmagar a cabeça de Edgar. Tanto que não percebeu a aproximação dos outros dois. O primeiro monstro agarrou o antebraço esquerdo com os dentes afiados, cravando-os na pele do filho de Athena. O segundo, fechou sua mão em volta de seu pescoço, puxando-o para cima e afastando-o, finalmente, dos corpos do senhor Filkenstein e de Edgar.

Heron cerrou os dentes e um grito de agonia escapou por entre eles. As presas de Omar Melstroop eram como agulhas, e também não eram, porque doíam infinitamente mais. O primeiro monstro, ainda com as presas enterradas no braço dele, tentava mastigar o punho do semideus, até separar as garras fiadas de seu braço. Heron resistiu. O ar lhe faltava, enquanto o segundo, a senhora Venable, fechava as patas em volta de seu pescoço. “Talvez esse seja meu fim”, pensou consigo mesmo. Se estivesse certo, seria tudo culpa sua. Tinha sido descuidado. Havia entrado no esconderijo dos inimigos completamente despreparado. “Talvez mereça esse fim”, outro pensamento passou pela sua cabeça. De qualquer jeito, se recusava a desistir tão fácil.

Ele cravou as garras da mão livre no braço da criatura que o esganava. Um ruído estridente escapou de sua boca, um instante antes de libertá-lo. O monstro recuou, mas ainda havia um preso em seu antebraço. Heron cortou o ar com as unhas e penetrou a nuca da criatura com as pontas afiadas. Deixou que as unhas em forma de garra fossem o mais fundo possível. Embora não fosse muito, conseguiam fazer um bom estrago. Dentes e antebraço foram separados, e a criatura caiu ao chão, junto com os outros companheiros. Em contato com o ar, Heron descobriu que a ferida no braço conseguia doer ainda mais. Rangeu os dentes, quando viu a última criatura de pé. Senhora Venable. A que ele havia acertado no braço momentos antes.

Heron recuou alguns passos. A criatura não parecia mais tão disposta a atacar. Na verdade, paciente, esperava por algo que o filho de Athena levou alguns segundos para entender. Os monstros continuavam empilhados. Seus corpos imóveis. E talvez aquilo tivesse sido o bastante, se não fossem monstros. Precisavam se desmanchar em pó quando eram derrotados. Aquelas criaturas não estavam mortas. Longe disso. A reação da última criatura só confirmava: estavam se regenerando. Em breve, estariam de pé outra vez, prontas para um contra-ataque.

O rapaz aspirou o ar. As narinas se incomodavam com o cheiro que se espalhava pela casa. Ele recuou mais alguns centímetros. Os olhos fixos na última criatura. Sem pensar muito no assunto, decidiu que era hora de usar a última carta em sua manga. Saltou em direção à escadaria e desceu os degraus tropeçando nos próprios pés. A porta branca o aguardava no fim da descida, junto às duas garrafas de uísque. Heron conseguiu, milagrosamente, chegar ao fim da escadaria sem tropeçar para a morte. Agarrou as garrafas, abriu a porta e saltou para fora. A visão periférica mostrou a última das criaturas no topo da escadaria, cambaleando em direção à presa.

Heron desceu os degraus de pedra da fachada da casa. O peito subia e descia, em ritmo com os movimentos de seu pulmão. Faltava o ar, a ferida no braço esquerdo ardia, ainda sentia os resquícios do sonífero anuviando sua mente. Ainda assim, sentia-se mais vivo do que nunca. Afastou-se um pouco pelo caminho de cascalho, antes de colocar a garrafa lacrada no chão e focar sua atenção na outra com o pedaço de pano no gargalo. Ele puxou a caixa de fósforos de seu bolso, acendeu um punhado deles e ateou fogo ao pequeno pedaço de pano embebido em uísque. “1, 2, 3, 4, 5, 6, 7.” Arremessou o coquetel molotov em direção a uma das janelas da nada-humilde residência Hill. A garrafa estilhaçou o vidro da janela e o fogo lambeu o ar, espalhando-se pelo gás de cozinha que recheava a mansão. Já era tarde da noite, quando as chamas laranja-azuladas consumiram Hill House com uma magnífica explosão.

Heron apanhou a segunda garrafa de uísque, abriu a tampa e jogou um pouco da bebida em sua ferida. O resto, ele empurrou para dentro da boca, enquanto assistia o espetáculo de luzes e cores mastigar a torre, as ameias e os tijolos vermelhos. Queria um fechamento para tudo aquilo. E as chamas que mastigavam a mansão foram a forma que havia encontrado para se livrar de dois problemas de uma só vez. Esperava que os fantasmas da residência Hill encontrassem paz, tanto quanto esperava que as criaturas lá dentro nunca mais colocassem os pés para fora do Tártaro.

De alguma forma, sabia que não teria tanta sorte assim.

Sentiu algo vibrar no bolso esquerdo da calça. Puxou para fora o celular. Era Chase. Ele deixou um sorriso aparecer em seu rosto, transpirando alívio ao saber eu o amigo estava bem. Balançou a cabeça, empurrou um pouco mais de uísque garganta abaixo e levou o celular em direção à orelha.

— Chase, vem me buscar.


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Re: [MISSÃO ONE POST] Você é o jantar // Heron Devereaux

Mensagem por 129-ExStaff Qui 29 Nov 2018, 12:33


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Olá Heron, bom dia!

Estava com saudades de ler posts seus, confesso. Mas vamos lá.

Não vi problemas em você ter modificado um pouco o início da missão, já que não haviam muitos pontos obrigatórios a respeito disso. A forma como encaixou sua trama na missão a tornou única, como se tivesse sido feita para você - não no fato de você ter feito o pedido, mas enfim q Acho que entendeu q. Cada detalhe pensado e a forma como lidou com a situação, criando e alimentando todo o contexto da missão foram executados com maestria. Por se tratar de uma missão passada por outro deus, não sei quais seriam os planos de Éris com relação à sua missão, mas aos meus olhos, chegou ao patamar que acredito ser satisfatório. Como sempre.

Meus parabéns!

Resultado

Coerência: 50/50
Coesão, estrutura e fluidez: 25/25
Objetividade e adequação à proposta: 15/15
Organização e ortografia: 10/10

Total: 100% x 4 = 400 xp + 40 dracmas

Item:

Status:
- 30 HP
- 26 MP



Atualizado






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Re: [MISSÃO ONE POST] Você é o jantar // Heron Devereaux

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