じょろうぐも — Narrada externa para Devlin e Olivia

Akira funga incontrolável, limpando as lágrimas acumuladas nos cílios. Depois de tanto tempo ao lado de Devlin, era de se esperar que acabasse se apegando emocionalmente.  Devlin sabia que aconteceria – sempre acontecia. Acostumado a despedidas, por outro lado, sequer esboçou tristeza alguma. Puxou o oriental para perto e o abraçou forte. Algo dizia que era obrigação sua consolá-lo. Cresceram juntos, estudaram juntos, até mesmo se beijaram uma vez, depois outra e outra e quando deu conta já tinha posto em sua página pessoal do facebook um novo estado civil; em um relacionamento sério. Não o amava de fato – ou acreditava que não – mas aquele era o disfarce ideal para se esconder dos monstros.  Ter a vida de um adolescente comum é chato, e graças aos deuses tinha chegado a hora de partir para um novo mundo – em um novo corpo, dada a recente reencarnação, mas com o mesmo objetivo.

— Vamos nos encontrar novamente. — Talvez não nesse mundo, pensou em completar, mas deixou de lado. Tantas vidas passadas o deixou alheio ao que podia ou não podia dizer em voz alta.

— Você promete? — Akira o encarava com enormes olhos brilhantes, esperançoso de rever o seu primeiro amor uma outra vez. Devlin sorriu, e para sua sorte, o aplicativo no celular notificou a chegada do uber que o levaria até a estação de embarque.

— Adeus, Akira. Até a próxima. — Depositou um beijo na testa de outrem e se foi, levando em uma mão a mochila com nada mais que algumas mudas de roupa, barras de cereais e um carregador portátil para o iphone. Na outra ostentava um expresso do starbucks – uma adaga ressalva na cueca, para proteção. Cuidado nunca é demais.

Dentro do automóvel, questionava a si próprio se era sábio ir em busca de respostas no continente americano. Pelo que recordava, sua última morte havia se dado por lá, em algum lugar remoto dos Estados Unidos. Mas tudo ainda estava embaralhado em sua cabeça. Cada vez que regressava dos mortos, graças a sua mãe, bendita seja, Devlin se lembrava menos. Um dia, talvez, se esquecesse completamente de quem era – essa ideia trazia calafrios a seu corpo. Ajeitou o casaco de couro sobre a camiseta cinza na tentativa de se proteger do agouro. A calça jeans cumpria o propósito de fornecer calor, assim como os coturnos. Peças esfarrapadas de segunda mão, para melhor comodidade do bolso. Pela janela, vislumbrou o turbilhão de imagens perpassar em velocidade considerável perante os ponteiros do relógio sobre o painel do carro. O dia a dia ordinário dos mortais de repente pareceu mais atrativo que seu estilo de vida repleto de perigos e encenações.

Pontual, foi deixado defronte a fachada da plataforma do metrô. Pagou a corrida duas notas restantes encontradas no fundo do bolso, sobras do último trabalho em um fliperama, e embarcou. Costumeiramente, optava por lugares vazios onde pudesse sentar só, alcançando a plena paz. Todo cuidado é pouco quando se é um meio-sangue. Mas com tantas idas e vindas do submundo, decidiu quebrar o protocolo de sobrevivência e parou ao lado de uma bonita moça alocada no interior do transporte.

— Posso acompanhar? — Pontuou o lugar vazio ao lado dela com o indicador, ministrando um sorrisinho cordial nos lábios pálidos. Poderiam ter a mesma idade, talvez, o que contribuiria para uma pequena conversa durante a viagem. Além de que ela serviria de álibe para algum caso. Mas só se fosse necessário.

E Devlin pedia aos deuses que não fosse.

arsenal:

Prazo estendido por +1 dia a pedido dos participantes.

Dado o consentimento, Devlin busca aconchego na poltrona ao lado da estranha. A mochila vai alocada sobre o colo, leve, enquanto dedilha a tela cristalina do aparelho celular – cumprindo com o plano de apagar todos os rastros dessa vida, pressiona a ferramenta “excluir" e deleta o perfil pessoal em todas as redes sociais das quais é membro assíduo. Conforme as eventualidades, sabe que já não existe mais lugar para ele entre os mortais.

— Sorte a nossa pegarmos um vagão não tão cheio, detesto lugares super lotados. — De sorriso meigo, volta-se à passageira em uma clara tentativa de puxar assunto. — O costume japonês de recorrer a apenas um banho por dia dificulta ainda mais, não acha? — Torce o cenho, repassando as poucas situações em que esteve espremido entre multidões no metrô de Tokyo. Embora dono de feições e o sotaque de um nativo oriental, sua alma pertencia a outra descendência bem mais remota. Um duplo privilégio que permitia piadinhas.

Mesmo que desejasse embarcar em um diálogo maroto, o anseio foi negado por uma miríade de sonhos inesperados. Devlin adormeceu antes de dar conta – cabeça pendendo de um lado e baba escorrendo da boca.




— Hum...? — Despertou, grogue, piscando os olhos várias vezes afim de focar a frente. Levou um segundo até se lembrar de onde estava, e procurou rápido o painel luminoso para checar a linha; Yokohama. Bem, não era seu destino final e também nem metade do percurso. Por que tinham parado? Espreguiçou, esticando os braços ao que volvera o interior do vagão. Vazio.

— Onde foi parar todo mundo? — Questionou à garota ao lado, recebendo um olhar desconfiado em resposta. — O que é? —  A sobrancelha se elevou, e de repente ouviu-se um grito que o  arrepiou por inteiro. Levou a mão até a bainha da calça, confortado em encontrar sua adaga ali.  — Ei! Você não vai ver o que é, certo? Isso é ilógico. — A alertou, mas curiosa, saiu do lugar para averiguar a origem do barulho. Em mente, Devlin arquitetou dar o pé dali, enquanto a acompanhava até a cabine do piloto. O que encontrou o fez prender a respiração.

Jazia o maquinista largado sobre a cadeira, o rosto destroçado por algum animal. Cena macabra, típica de filmes do cinema asiático. O assombro não fora maior devido experiências passadas com monstros dos acerco grego. Sendo ele um semideus, deparar-se com situações como essas são habituais. Sua preocupação, no entanto, passou a ser a garota. O que ela estaria pensando?

— Não a roubei, se é o que está deduzindo. — Respondeu, incrédulo da notável acusação de roubo a tal altura. — Vamos sair daqui, esqueça seu canivete. — E correu até o assento para recuperar a mochila. Fosse lá o que ela faria a partir, ele iria embora.

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