Rio do Acampamento ♠Local Público Oficial♠

 Au revoir rose

Ela continuava com seu sorriso que me deixava desconfortável.
- Não disse que tinha pena de mim. Apenas disse que você me olha como se eu realmente fosse louca, e acabou de confirmar isso. Olhe, eu posso parecer louca, mas não sou. Esse meu sorriso de psicopata e o jeito idiota e sem sentindo de falar é apenas para esconder minha constante batalha com meus demônios interiores e blá blá blá... E eu não tenho biscoito. Na verdade, acho que vou cair fora. Estou vendo que você não é muito simpática.
“Sim, você deveria ir, não sou a melhor pessoa para se conversar mesmo.” Essas era mais silabas do que o comum para uma resposta grossa, mas não falei, queria falar por mim mesma. Ouvi um leve resmungo em meio ao sorriso da garota que deu um passo para trás. Senti que estava longe do meu alcance, por mais que fosse parecida comigo ela era diferente. Era como se ela sempre soubesse o que falar, sim, ela realmente sabia.
Demônios interiores. Sei bem. Ultimamente tenho passado por um inferno tendo sempre tantas pessoas ao meu redor o tempo todo, e não conseguir me aproximar nem que só um pouco delas. E claro, com sonhos, ouvi dizer que é comum com os semideuses sonharem com mensagens dos deuses e coisas do tipo. Mas nenhum deles era sobre os monstros mitológicos que vira nos livros desde que cheguei aqui. Era basicamente eu, encarando a mim mesma mudando de rosto incontrolavelmente até que chegava a um rosto velho e sem vida, sem os orbes dos olhos, apenas um grande vazio negro. Como se minha personalidade fosse sendo sugada. Cada sentimento mandado para o vazio.
Então, pensei no fato de nunca ter iniciado uma conversa, nunca ter feito uma amizade, lembrava-me bem de que, quando cheguei à escola secundaria foi Gwen me veio com olhos curiosos e um belo sorriso que foram irresistivelmente me conquistando, ela me apresentou a Eleonor e tal, fez com que eu me sentisse uma boa amiga, mas eu nunca entendi o porquê já que sempre estava calada e sem uma expressão, me pergunto se alguma vez eu sorri para elas.
Minha conclusão sobre essa amizade agora, é que elas estavam tentando me proteger. Na verdade por isso que todos estavam ao meu lado, certo? Meu avô, Gwen, Eleonor, minha mãe...
Senti meu rosto esquentar um pouco. Sim. Eu queria ser protegida, era isso que eu estava sentindo falta aqui. Existiam sátiros, ninfas, deuses me protegendo nesse momento, mas não era exatamente a mim e sim a todos nesse acampamento que eles protegiam, eu sentia falta de me sentir única. Muito egoísta. Tudo que eu queria afinal era Eleonor dizendo “Você está com o cabelo bagunçado de novo” e então bagunçando ainda mais, Gwen me oferecendo flores da floricultura da família, meu avô passeando comigo no Central Park e comprando coisas na Quinta Avenida, minha mãe empolgada com o trabalho... Mesmo que pouco eu podia me abrir com alguém.
Percebi com os olhos fechados e que eu passara muito tempo calada, parada, ela com certeza já estava bem longe dali, mas mesmo assim senti que deveria dizer algo.
- Não é que você seja maluca mo... Carrie. Nem que precise ajuda. - Levantei a cabeça ainda com os olhos fechados ao céu, talvez buscando uma ajuda divina. - Nem fala coisas sem sentido. - Rosto formigando de novo, estava sentindo-o muito quente, devia estar ruborizando. - A verdade é que, eu mesma esteja começando a ficar maluca, eu... - A minha pálpebra móvel esquentou dessa vez, meus olhos estavam ficando molhados. O que eu estava fazendo? Ia chorar? - Eu nunca sequer pensei em conversar com alguém, encontrar você foi apenas uma coincidência sabe? Eu não deveria ter falado com você, deveria ter ido embora, isso seria o que eu faria, mas por um momento eu não pensei, eu simplesmente abria boca e falei bobagem. Eu sempre soube que simpatia não era o meu forte, o que eu estava fazendo né? - Abaixei o rosto e abri os olhos dos quais lágrimas corriam incessantemente, a ultima vez que tinha chorado assim, tinha tropeçado no nada e ralado o joelho na frente de uma loja importante na Quinta Avenida, mas eu tinha 5 anos. - Uma vez, minha amiga... Gwen... me disse que eu era como uma batata malcozida ao avesso. Segundo ela, uma batata malcozida era mole e apetitosa por fora, mas dura e fria por dentro, eu era o contrario disso, lembro que na época achei que ela só estivesse tentando fazer mais uma piada com batatas. - Minhas bochechas estavam formigando como nunca e senti que começava a  sorrir. - Hoje eu tenho certeza disso. Então, já que não tem jeito, isso é um adeus.
Ouvi o borbulhar do rio e minha ultima frase ecoar entre as árvores que se projetavam como um amplificador natural, eu tinha certeza que aquela figueira não estava ali alguns minutos atrás. Tive a impressão de que o clima estava esfriando e quando estava quase indo embora, senti algo gelado tocar o meu nariz. Neve. Não via neve desde que vim para o acampamento, deixando a minha segurança e aqueles que eu amava e me protegiam para trás. Com os olhos cheios de lágrimas, completamente embalçados, tentava focalizar Carrie, esperava que ela não estivesse mais ai.

Afinal, a neve não é amiga das plantas, ela mata as flores.

♦ the white swan ♦ @ cg